sexta-feira, 2 de março de 2012

Será que Deus se agrada de nos ver sofrer?

TRÔPEGO sob o peso de uma grande cruz de madeira, um homem avança aos tropeções pela multidão, com sangue escorrendo de uma coroa de espinhos fincada na cabeça. Chegando ao local da “execução”, ele é esticado por sobre a cruz; grandes pregos são cravados em suas mãos. Ele se contorce de dor quando os pregos perfuram a sua carne. No momento em que a cruz é erguida, a dor se torna excruciante. Segundo a revista filipina Panorama, rituais dolorosos como este são realizados regularmente durante as celebrações da Semana Santa, nas Filipinas.
O que se acabou de descrever é uma representação moderna dos sofrimentos de Jesus. Mas esse homem não está apenas representando. Os pregos, o sangue e a dor são bem reais.
Em outros lugares, católico-romanos devotos podem ser vistos se autoflagelando publicamente no desejo de passar pelos sofrimentos de Cristo. Por quê? Alguns fazem isso por crerem que seus sofrimentos trarão milagres, como a cura de entes queridos doentes. Outros, para expiar pecados pelos quais temem que não haja perdão a menos que seu próprio sangue seja derramado. O livro The Filipinos explica: “A dor é boa para purificar a mente e a alma. . . . A idéia é que ao experimentar a dor o pecador se purifique de pecados e se alivie de fardos.”
A dor auto-inflingida, porém, de modo algum se limita aos católicos das Filipinas. Pessoas de várias religiões e países acreditam que os sofrimentos auto-impostos têm algum mérito diante de Deus.
Por exemplo, em sua busca da verdade, o Buda, Sidarta Gautama, abandonou esposa e filho e fugiu para o deserto, onde por seis anos viveu como asceta. Ele ficava em posições incômodas e dolorosas durante horas e mais tarde afirmou ter passado longos períodos comendo apenas um grão de arroz por dia, ficando tão magro que disse: “A pele da minha barriga chegou a grudar na minha coluna vertebral.” Mas nenhum grau de tortura auto-inflingida pôde dar-lhe a iluminação que ele procurava.
Também, os faquires hindus da Índia submetiam-se a várias penitências, às vezes extremamente rigorosas: deitar-se entre chamas, olhar fixamente para o sol até ficarem cegos, ficar parados apoiados em uma só perna ou em outras posições incômodas por longos períodos. As pessoas achavam que a virtude de certos ascetas era tão grande que poderia até proteger uma cidade de um ataque inimigo.
Similarmente, a Bíblia fala dos adoradores de Baal, que se cortavam “com punhais e com lanças, segundo o seu costume, até derramarem sangue sobre si” na vã tentativa de chamar a atenção de seu deus. — 1 Reis 18:28.
“Tendes de atribular as vossas almas”
Embora seja verdade que Jeová ordenou os de sua nação escolhida que ‘atribulassem as suas almas’, em geral isso é entendido como querendo dizer jejum. (Levítico 16:31) Jejuava-se como expressão de tristeza e arrependimento de pecados ou quando se estava numa situação angustiante. Assim, o jejum não era uma forma de punição auto-inflingida, mas representava humilhar-se perante Deus. — Esdras 8:21.
Havia alguns judeus, porém, que pensavam erroneamente que o mero desconforto causado por atribularem a alma tinha mérito e que colocava Deus sob a obrigação de lhes dar algo em troca. Quando não recebiam nada em recompensa, perguntavam presunçosamente a Deus sobre o pagamento que achavam merecer: “Por que razão jejuamos e tu não o viste, e atribulamos a nossa alma e tu não o notavas?” — Isaías 58:3.
Mas eles estavam errados. O jejum religioso correto não envolvia asceticismo, atribular o corpo com fome como se a dor ou o desconforto físicos em si mesmos tivessem qualquer mérito. Fortes emoções podiam diminuir a fome. Com a mente absorta em problemas prementes, o corpo talvez não sinta vontade de comer. Isso indica a Deus os sentimentos profundos de quem jejua.
Será que Deus se agrada na dor auto-inflingida?
Será que o amoroso Criador deriva qualquer satisfação de observar pessoas torturar a si mesmas? Embora seja verdade que às vezes os cristãos sejam forçados a se tornar “partícipes dos sofrimentos do Cristo”, isso não significa que estejam à procura de tribulações ou do status de mártir. — 1 Pedro 4:13.
Certamente, Jesus de modo algum era asceta. Os líderes religiosos se queixaram de que os discípulos dele não jejuavam, e até mesmo o acusaram de ser “comilão e dado a beber vinho”. (Mateus 9:14; 11:19) Jesus mostrou-se moderado em tudo e não exigia de si ou dos outros mais do que o razoável. — Marcos 6:31; João 4:6.
Em nenhum trecho das Escrituras encontramos qualquer base para o asceticismo, como se negar-nos a nós mesmos as necessidades ou mesmo os confortos da vida granjeasse o favor de Deus. Note as palavras do apóstolo Paulo sobre tais práticas dolorosas: “Estas mesmas coisas, deveras, têm aparência de sabedoria numa forma de adoração imposta a si próprio e em humildade fingida, no tratamento severo do corpo; mas, não são de valor algum em combater a satisfação da carne.” — Colossenses 2:23.
Quando era monge, Martinho Lutero literalmente torturava a si mesmo. Mais tarde, porém, voltou-se contra tais práticas, dizendo que elas encorajavam a idéia de que há duas estradas que levam a Deus, uma superior e outra inferior, ao passo que as Escrituras ensinam que só há um caminho para a salvação: exercer fé em Jesus Cristo e em seu Pai, Jeová. (João 17:3) Rituais dolorosos, por outro lado, eram considerados por alguns como forma de auto-salvação.
O livro Church History in Plain Language (A História da Igreja em Linguagem Clara) comenta a respeito do asceticismo: “Sustentando o inteiro empreendimento havia um conceito errôneo sobre o homem. A alma, dizia o monge, está acorrentada à carne como um prisioneiro a um cadáver. Esse não é o conceito bíblico da vida humana.” Sim, a própria idéia de que a dor auto-inflingida possa agradar a Deus é alheia às Escrituras. Seu fundamento encontra-se na falácia gnóstica de que tudo o que está relacionado com a carne é ruim e deve ser maltratado tanto quanto possível para se ganhar a salvação.
Visto que Jeová quer que sejamos felizes, servir a este Deus tão agradável não é questão de tornar-se asceta. (Eclesiastes 7:16) Assim, nenhuma parte das Escrituras nos diz que sofrimentos auto-impostos são o caminho para a salvação. Ao contrário, a Palavra de Deus deixa claro que é o sangue de Cristo, junto com nossa fé nele, que nos purifica de todo o pecado. — Romanos 5:1; 1 João 1:7.

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